O avanço da equidade de gênero nas organizações por meio da promoção de uma cultura de parentalidade. 

Historicamente, há uma divisão sexual do trabalho que atribui as tarefas domésticas e de educação dos filhos – ou seja, o trabalho invisível e não remunerado do cuidado – às mulheres, e as atividades fora de casa, remuneradas, aos homens, cuja principal função é prover para a família. Ainda que as mulheres negras tenham sempre trabalhado, essa divisão fez com que as mulheres brancas, se comparadas aos seus pares homens, tenham entrado tardiamente no mercado de trabalho.

Apesar de falarmos com frequência do peso dos papéis sociais de gênero sobre os homens – que permitem um único modelo, que é necessariamente provedor, racional, forte, viril e não chora –, é possível afirmar que, ainda hoje, a maioria deles está presa a um “padrão” em que há pouco ou nenhum envolvimento com as tarefas domésticas e de cuidado com as crianças pequenas.

Mesmo que a cada nova geração haja um maior envolvimento dos homens com a vida familiar – maior do que seus pais e menor do que o que seus filhos terão –, as mulheres permanecem sendo as principais responsáveis pelo trabalho do cuidado, e o envolvimento deles é considerado, muitas vezes, somente uma “ajuda” e não a justa divisão de um trabalho de responsabilidade comum.

A persistência desse modelo é curiosa em vista do fato das mulheres atualmente chefiarem mais de 40% das famílias brasileiras, ou seja, são elas as principais responsáveis pelo provento do lar e da família, adicionando tal responsabilidade àquela do trabalho doméstico e do cuidado.

Em pleno século 21, as brasileiras ainda fazem uma dupla jornada de trabalho – algumas contratam outras mulheres, geralmente negras, e outras contam com mulheres próximas para cuidar de suas casas e dos seus filhos, no que chamamos de redes de solidariedade feminina.

Fato é que, de um modo geral, apesar das mulheres terem mais anos de estudos do que os homens e serem mais da metade da população brasileira, ainda enfrentam desafios na carreira que dificultam a realização de seu pleno potencial. O principal deles, a meu ver, decorre justamente da sobrecarga gerada pela dupla jornada. Não é por outra razão que, frequentemente, ouvimos mulheres se sentirem culpadas por não desempenharem como gostariam o papel de mãe, tampouco o de profissional.

O “tudo junto o tempo todo” do home office, fruto do isolamento social imposto pela pandemia do corona vírus, fez com que essa sobrecarga aumentasse ainda mais, com sérias consequências não só para a saúde mental dessas mães trabalhadoras, mas também para sua retenção no mercado de trabalho.

A experiência de um programa de Diversidade e Inclusão

A experiência do escritório Mattos Filho mostrou que ter dois focos no pilar de promoção da equidade de gênero, cada um com seu grupo de afinidade, pode melhorar bastante o ambiente de trabalho para as mulheres que são mães, colaborando para retenção dessas profissionais. Até pouco antes da pandemia, o pilar de equidade de gênero tinha um único grupo de afinidade para tratar de todos os temas relacionados às mulheres.

Suas discussões foram muitas vezes atravessadas pelos assuntos de maternidade, tirando espaço e foco de iniciativas voltadas ao desenvolvimento de carreira e de habilidades como liderança, networking, atendimento e captação de clientes. Ademais, restringia a participação no grupo às mulheres que eram ou queriam ser mães, excluindo as mais jovens, as que não tinham ou não queriam ter filhos e, principalmente, os homens, figuras-chave em sua atuação como aliados na promoção de um melhor ambiente de trabalho para as mulheres.

Sem falar que manter o tema do trabalho do cuidado restrito ao grupo feminino e à perspectiva da maternidade reforçava o estereótipo de que essa é uma tarefa feminina, pela qual os homens não têm, nem devem ter responsabilidade.

Assim, excepcionalmente, criamos dois grupos de afinidade para o pilar de equidade de gênero: o primeiro atento à jornada de desenvolvimento profissional das mulheres e a outros temas a elas relacionados, como violência de gênero, sua sub-representação política, questões específicas de mulheres negras, lésbicas ou com deficiência; e o segundo focado na parentalidade, visando à promoção de uma cultura de corresponsabilidade no cuidado com as crianças pequenas e com as tarefas domésticas.

A criação de um grupo com foco na parentalidade não significou deixar de considerar as necessidades específicas de quem é mãe – por exemplo, uma sala para descanso de grávidas e para retirada de leite materno no retorno da licença. A ideia é tão somente adicionar iniciativas, trazendo um novo olhar, mais abrangente, para as políticas relacionadas à maternidade e à paternidade exercidas respectivamente por mulheres ou primeiro cuidadores e por homens ou segundo cuidadores.

Nesse sentido, a primeira sugestão, com base na nossa experiência, é reformular o programa de maternidade em um de parentalidade, que beneficie não só mulheres, mas também profissionais homens, LGBTQIAP+ e aqueles que têm famílias monoparentais ou filhos adotivos. T rata-se de uma oportunidade de olhar para a parentalidade e o trabalho do cuidado do modo mais inclusivo possível.

Sensibilização e ampliação de benefícios

Como sempre, um novo grupo de afinidade no âmbito do programa de Diversidade e Inclusão requer a sensibilização dos profissionais da organização – de preferência em caráter periódico. Ao tratar da justa divisão do trabalho doméstico, pode-se realizar eventos de sensibilização sobre temas como paternidade responsável, famílias homo afetivas ou diversas, melhores práticas de conciliação da vida pessoal e profissional, masculinidade tóxica entre outros.

Além disso, recomenda-se um espelhamento dos benefícios dados às profissionais mães para pais e segundo cuidadores – como a concessão, por mera liberalidade da empresa ou organização, de auxílio – creche a todos os que tiverem crianças pequenas em casa, já que a lei só obriga o pagamento para as mulheres por partir do pressuposto de que os homens ou segundo cuidadores não o necessitam por terem uma mulher que cuida dos filhos; ou, ainda, a entrega de vale-compras na comunicação de que a criança irá chegar e de um presente na sua chegada efetivamente à família.

A revisão do guia da maternidade, comum nas organizações, em um de parentalidade, que não considere somente os aspectos físicos da gestação, mas também os psíquicos da formação de uma família, cujos filhos podem ser gerados naturalmente, por fertilização in vitro, com ou sem barriga de aluguel, ou serem adotados passa uma mensagem institucional importante.

Paralelamente, é central para a promoção de uma cultura de parentalidade a adesão da organização ao Programa Empresa Cidadã, que estende as licenças maternidade e paternidade respectivamente de 120 para 180 dias e de cinco para 20 dias – replicando, evidentemente, para primeiro e segundo cuidadores. Idealmente, e já há empresas fazendo assim, deve-se aumentar cada vez mais as licenças paternidade e de segundo cuidador para que se aproximem às das mulheres e primeiros cuidadores – no nosso caso, ampliamos recentemente, de modo inédito no mercado jurídico brasileiro, para 60 dias.

Isso porque não só o trabalho de cuidado é enorme no comecinho da vida das crianças, como é nessa fase que mais facilmente se formam os vínculos afetivos– afinal, é sabido que não cuidamos das crianças porque as amamos, mas as amamos porque delas cuidamos. Ressalte-se que, no contexto das licenças parentais, é muito importante desconsiderar a ausência dos profissionais do trabalho para fins de avaliação de desempenho e de participação nos resultados, sob pena de ferir o princípio da equidade e não atender às necessidades específicas desse grupo, prejudicando-o por uma tarefa cívica, de criação dos futuros cidadãos deste país.

Impacto para sociedade

Assim, incluir a temática da parentalidade no trabalho do pilar de equidade de gênero nos mostrou como os ambientes de trabalho, em especial no mundo corporativo de alta performance, são pouco acolhedores e inclusivos para mães e primeiro cuidadores de crianças pequenas. Envolver os homens e segundo cuidadores nessa conversa tem um impacto não só interno, na cultura organizacional da empresa, mas também na sociedade, na medida em que esses serão mais compreensivos com pares profissionais e dividirão melhor o trabalho do cuidado em suas próprias casas.

Esse é o tipo de iniciativa em que todos ganham: as empresas passam a ter um ambiente melhor e retêm seus talentos femininos, em especial as mães; as mulheres e primeiro cuidadores passam a se sentir mais acolhidos em suas demandas específicas e devem conseguir melhor conciliar a carreira profissional com a vida pessoal; e, por fim, os homens e segundo cuidadores que passam a ter a liberdade para, se quiserem, se vincular afetivamente aos seus filhos, exercendo de modo mais responsável sua paternidade ou o cuidado com as crianças pequenas.

Parentalidade e a equidade de gênero nas organizações

Por Laura Davis Mattar, gerente de Diversidade, Inclusão e Cidadania Corporativa do escritório Mattos Filho.

 

 

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