A terceirização das funções intelectuais para a IA

Faça um teste rápido: tente lembrar os números de telefone de três pessoas próximas. Difícil, não é? Há 15 anos, você provavelmente conhecia de cor dezenas de números. Hoje, seu cérebro terceirizou essa função para o smartphone. E não tem problema nenhum nisso - afinal, está tudo ali no seu telefone, certo? É curioso - e um tanto irônico - pensar no que estamos terceirizando para as máquinas hoje. Não são mais apenas cálculos repetitivos ou tarefas mecânicas. A IA está assumindo justamente aquilo que costumávamos chamar de "trabalho intelectual": análise de dados, redação criativa, estratégia, design. Enquanto isso, continuamos soberanos em atividades como lavar louça, dobrar roupa ou fazer a cama - tarefas que robôs imaginados nos anos 60 prometiam fazer por nós. 

A dependência da IA no mundo corporativo

Parece que o futuro nos pregou uma peça: a tecnologia está́ tomando conta justamente das atividades que fazem nosso cérebro brilhar. Imagine o seguinte cenário: João, líder de marketing digital, chega ao escritório numa quinta-feira e encontra um aviso inesperado: "Seu acesso ao ChatGPT será́ descontinuado em 24 horas devido ao término do contrato." Seu primeiro pensamento é: "Tudo bem, tenho backup de tudo que é importante." Mas será́ mesmo?  As últimas dez campanhas que ele criou? Nasceram de uma dança sincronizada entre seu conhecimento de mercado e os insights da IA. Os relatórios semanais que tanto impressionam a diretoria? São fruto de um processo analítico que ele desenvolveu em simbiose com o algoritmo.

A expansão da mente humana

As apresentações que o tornaram conhecido por sua objetividade e clareza? São resultado de incontáveis interações com a IA, que se tornaram parte indissociável de seu processo criativo. Assim como aconteceu com nossa memória de números telefônicos, estamos silenciosamente terceirizando processos cognitivos cada vez mais complexos. Há mais de duas décadas que pesquisadores descobriram algo fascinante sobre como nossa mente funciona: ela não para na fronteira do nosso crânio. Nossa capacidade mental se estende naturalmente para as ferramentas que usamos com frequência. Pense em como um tenista profissional sente sua raquete como uma extensão do braço. Como um chef experiente "pensa" através de suas facas. Ou como o processo de escrita foi modificado quando mudamos da máquina de escrever para o computador.

IA como extensão do intelecto humano

É mais do que costume ou habilidade - essas ferramentas se tornam parte do nosso próprio processo mental. Os cientistas chamam isso de "mente estendida".  E é exatamente isso que está́ acontecendo com a IA no ambiente profissional. Quando um analista de dados usa consistentemente ferramentas de IA para processar informações ou quando um redator desenvolve textos em parceria com o ChatGPT, não estamos falando apenas de uso de ferramentas - estamos falando de uma extensão real das capacidades mentais.  Esse cenário traz, ao mesmo tempo, oportunidades e riscos. Por um lado, é maravilhoso pensar em como poderemos resolver problemas que antes não conseguíamos. Estamos no limiar de uma mudança tão importante para o homo sapiens quanto foi a descoberta da ferramenta por nossos antepassados, que permitiu que superássemos as limitações do nosso corpo físico utilizando nosso intelecto. Agora, criamos um intelecto externo que nos permite superar nossas próprias limitações mentais. As consequências são incríveis e imprevisíveis.

Riscos potenciais

Por outro lado, se perdemos acesso a uma ferramenta de IA que se tornou parte do nosso processo mental, não perdemos apenas um recurso - perdemos uma parte do nosso modo de pensar e trabalhar. Alguns riscos potenciais são:
  1. Amnésia Corporativa: imagine perder não apenas dados, mas formas inteiras de resolver problemas que sua equipe desenvolveu em parceria com a IA. 
  2. Dependência Invisível: o mais perigoso não é depender da IA para tarefas óbvias, mas para aqueles pequenos insights e conexões que nem percebemos que delegamos à máquina. Quantos de nós já́ não pensamos "deixa eu perguntar pro ChatGPT" antes mesmo de tentar resolver algo sozinhos? 
  3. Desigualdade Cognitiva: em um mundo onde algumas pessoas têm acesso a "extensões cerebrais" premium e outras não, como garantir um ambiente de trabalho justo? É como se alguns profissionais tivessem superpoderes enquanto outros trabalham com capacidades básicas.
Além disso, as extensões cognitivas profissionais pertencem a empresas que podem, a qualquer momento, mudar as regras do jogo - ou simplesmente desligar o interruptor. E aqui cabe novamente a metáfora da terceirização: assim como as empresas aprenderam a terceirizar processos, mas manter o controle das suas atividades essenciais, precisamos cuidar daquilo que nos diferencia e mantém nossa essência. Refletindo sobre o assunto, nos parece que o caminho da parceria é mais promissor do que o da terceirização. Utilizar essas ferramentas como parceiros no nosso intelecto, mantendo nossa autoria, nosso senso crítico e nossa imaginação presentes e fortes. skynet_foto da autora skynet_foto  do autorPor Paula Chimenti, Professora e coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação e Eduardo Madella, Doutorando e Pesquisador ambos do COPPEAD/UFRJ.  
🎧 Inteligência Artificial (IA): Deve Mesmo Preocupar-nos?
No episódio 158 do RH Pra Você Cast, intitulado “IA: a preocupação deve mesmo existir?”, discutimos um tema que tem gerado debates acalorados: o desenvolvimento das inteligências artificiais. Em março de 2023, veio a público a informação de que cerca de 2.600 líderes e pesquisadores do setor de tecnologia assinaram uma carta aberta solicitando uma pausa temporária nesse desenvolvimento. O argumento central é que as IAs podem representar um “risco para a sociedade e a humanidade”. Surpreendentemente, até Elon Musk, um dos maiores entusiastas da tecnologia, também assinou o documento.
Visões Contrastantes: Otimismo vs. Preocupação
Jhonata Emerick, CEO da Datarisk, diverge desse movimento de cautela em relação às IAs. Para o doutor em Inteligência Artificial, a evolução dessas tecnologias é tão natural quanto o crescimento que elas podem impulsionar. Ele argumenta que, ao longo da história, a humanidade sempre enfrentou mudanças disruptivas, e a IA não é exceção. A questão, portanto, é como nos adaptamos e aproveitamos essas transformações.
Legitimidade das Preocupações
Mas será que as preocupações em torno das IAs são legítimas? A perda de empregos é frequentemente apontada como um risco iminente. No entanto, também devemos considerar os benefícios potenciais: automação de tarefas repetitivas, diagnósticos médicos mais precisos, otimização de processos industriais e muito mais. Ainda há muito a aprender sobre o impacto real das IAs em nossas vidas.
O Desconhecido e o Potencial Inexplorado
Por fim, o que as IAs podem fazer por nós que ainda não compreendemos totalmente? Talvez estejamos apenas arranhando a superfície de suas capacidades. À medida que avançamos, é crucial manter um olhar crítico e otimista, buscando equilibrar os riscos com as oportunidades. Não se esqueça de seguir nosso podcast bem como interagir em nossas redes sociais: Facebook Instagram LinkedIn YouTube